Texto sobre a passagem da morte do Servo de Deus Padre Siqueira
Missa de 7º dia
A poucas cenas tão comovedoras e de tamanho alcance, temos nós assistido como a que teve lugar na Igreja Matriz desta cidade, no dia de ante ontem.
Uma multidão composta de todas as
classes sociais, desde a alta camada a opulência até a baixa esfera da pobreza,
ali se achava reunida para com a suas lágrimas orvalhar a flor – saudade –
deposta sobre o túmulo de um home virtuoso.
De boca em boca corria um nome e,
sempre uma palavra de louvor o acompanhava e, sempre um soluço de mágoa o vinha
entrecortar.
Não se tratava de um morto vulgar. O
nome que se proferia não era o de um legendário ferido em pugnas pelas causas
do orgulho, não era o de um aureolado pelas glórias dos talentos, era mais que
isso – era o nome do Padre João Francisco de Siqueira Andrade.
Deixar que a pedra do sepulcro abafe
o cadáver voltado a sua essência, é natural, é mesmo indispensável, mas fazer
que um nome que se imortalizou, seja riscado de um instante a outro desde livro
primoroso que se chama – o coração – possível jamais fora.
O homem que faleceu a 10 do
corrente, em São José dos Campos, província de São Paulo, usava de um nome que
nenhum outro poderá diminuir-lhe o valor, obscurecer-lhe o brilho.
Ele foi o apóstolo da santa causa da
caridade. Humilde, daquele humilde pregado pelo Cristo homem, esforçado,
infatigável, lógico e convincente evangelizador dos princípios da moralidade.
Ergueu um edifício que perpetuará sua memória, sem que nunca de seus lábios
tombasse uma palavra que traduzisse o orgulho, nem um de suas ações desmentisse
a pureza de sua alma e a grandeza de suas intenções.
Em sua curta travessia neste oceano
sempre mais ou menos encapelado pelas tormentas da calúnia e da inveja, ele,
hábil timoneiro, soube guiar-se com tanta atilação e tanto zelo que, como
debelando os elementos, conseguia serenar as tempestades.
Guiava-o uma ideia sublime, via, não
longe dos seus olhos, estender-se um painel esplendoroso: - tiradas das trevas
da ignorância, arrancadas das furnas da miséria, voltadas ao trabalho honesto e
à fadiga que enobrece, um cem número de mulheres com a palavra unida ao exemplo
entoavam hosanas ao Deu que as criara a ao homem que as educara.
Esse quadro provocava-lhe o júbilo,
essa mulheres douravam-lhe os sonhos de suas vigílias, o despontar desse dia
parecia sorri-lhe e o homem adoentado, sentindo em si os sintomas do
aniquilamento, conhecendo a cada passo, que tropeçava à borda de seu túmulo,
queria viver, ambicionava as horas, os minutos, os segundos para todos
aproveitá-los na sustentação dessa cruzada.
Desde os seus princípios, o Padre
Siqueira foi sempre o homem sisudo, sacerdote modelo: vigário desse lugar em
que foi exalar o derradeiro suspiro, soube ali merecer as simpatias que ao
sepulcro o acompanharão. Rebentando a guerra por nós sustentada no período de
1864 a 1870, marchou para os campos da luta a levar os consolos da religião aos
mártires do dever. Voltando daí, já presa do mal que o exterminou, aqui veio
residir, ou – por outra – aqui veio dar o derradeiro testemunho do quanto pode
a tenacidade do homem forte em favor das causas nobres.
Compreendia o homem os deveres da
sua missão, sabia que a verdadeira utilidade da vida consiste na aplicação que
dela se faz ao bem estar geral e que, mal aventurado é aquele que, simplesmente
a si é útil.
Uma vez entre nós, deu-se pressa em
executar o plano que concebera em terra estranha e assistindo a lutas
fratricidas, pois se tratava de manterem-se irmãos por questões que, com
palavras podendo ser resolvidas, pelo orgulho de uns e precipitação de outros,
estavam sendo debatidas pelas armas e decididas pela morte.
O plano consistia na criação desse
estabelecimento que vemos – incompleto na sua construção, mas de há muito,
profícuo em seus resultados – ostentar-se à Rua de Bragança, esse templo de que
tantas vezes nos tempos ocupado e que, de envolta com o respeito que merecem as
instituições úteis, reclama os mais sinceros louvores para o seu pio fundador.
Empreendeu o Padre Siqueira uma
tarefa além das forças de um homem, desde que o não fortalecesse a mais viva
crença nos sentimentos humanitários de seus semelhantes e um segundo de repouso
jamais teve, porque no tempo decorrido de 1869, época em que lançou as bases
para o edifício, até ao dia em que se efetuou a transformação de seu ser, as
dificuldades vencidas eram núncias dos obstáculos a vencer.
Mas
sempre forte, mas sempre esperançoso, não abandonava o bordão do peregrino e a
coragem encurtando as distancias e esperança revigorando-lhe as forças, ele, na
romagem interminável, falava aos corações benfazejos e, talvez não poucas
vezes, se sentisse com o poder de Moisés conhecendo-se capaz de fazer
rebentarem de corações empedernidos correntes de benefícios.
Foi assim que ele conseguiu elevar à
altura e que se acha a Escola doméstica de Nossa Senhora do Amparo, hoje, o
monumento que atestará o quanto fez em benefício da humanidade, durante a sua
passagem pela terra, esse que pranteamos com o mais profundo e respeitoso
sentimento.
Tal foi os eu cuidado em bem
desempenhar o encargo que se tomara, que ao conhecer a aproximação de um fim –
que tão breve não devera vir – tratou de delegar o prosseguimento da piedosa
comissão a outro homem de tantos préstimos e valia qual ele o fora, e que, de
certo, levará ao termo a santa obra.
Mesmo ao partir do seio de suas bem
amadas filhas, Padre Siqueira dava-lhes a prova de que não quisera que elas sem
um pai ficassem.
Alma generosa, fundida nos moldes da
mais viva caridade e, inteira, devotada à abnegação a ao desapego, não pudera,
ao separa-se de entre nós, deixar em meio, aquilo que tão bem começara, o seu
sucessor, segundo nos consta, levará avante a empresa e o edifício será
concluído para eterna ser a recordação viva do finado fundador.
A Igreja sufragou a alma do Padre
Siqueira Andrade na manhã de ante ontem, hoje, rendemos-lhe preitos de acordo
com as nossas forças e a sociedade não cessará nunca de bendizer o seu nome
enquanto houver olhos que possam ver a Escola Doméstica de Nossa Senhora do
Amparo e ouvidos houver que possam o seu nome ouvir.
Vimos àquelas afortunadas criaturas,
felicitadas pelo morto que pranteiam, deixar que em suas faces rolasse as
lágrimas do reconhecimento, quais imagens de amargura abraçadas a uma memória
imorredoura e um pesar estranho, uma mágoa intraduzível nos confrangeu o
coração.
Lembrávamos de que, se o Padre
Siqueira ali estivesse as abraçaria murmurando:
–
“Benditos aqueles que praticam o bem, porque a gratidão é um presente do céu!”
Fonte:
BN,
Mercantil,1881, Ed.29, Ano XXV, p.1.
Livro:
Padre Siqueira - Escritos, crônicas e outros testemunhos (pág. 364-368)