quarta-feira, 9 de abril de 2025

 

Texto sobre a passagem da morte do Servo de Deus Padre Siqueira 

Missa de 7º dia 

            A poucas cenas tão comovedoras e de tamanho alcance, temos nós assistido como a que teve lugar na Igreja Matriz desta cidade, no dia de ante ontem.

            Uma multidão composta de todas as classes sociais, desde a alta camada a opulência até a baixa esfera da pobreza, ali se achava reunida para com a suas lágrimas orvalhar a flor – saudade – deposta sobre o túmulo de um home virtuoso.

            De boca em boca corria um nome e, sempre uma palavra de louvor o acompanhava e, sempre um soluço de mágoa o vinha entrecortar.

            Não se tratava de um morto vulgar. O nome que se proferia não era o de um legendário ferido em pugnas pelas causas do orgulho, não era o de um aureolado pelas glórias dos talentos, era mais que isso – era o nome do Padre João Francisco de Siqueira Andrade.

            Deixar que a pedra do sepulcro abafe o cadáver voltado a sua essência, é natural, é mesmo indispensável, mas fazer que um nome que se imortalizou, seja riscado de um instante a outro desde livro primoroso que se chama – o coração – possível jamais fora.

            O homem que faleceu a 10 do corrente, em São José dos Campos, província de São Paulo, usava de um nome que nenhum outro poderá diminuir-lhe o valor, obscurecer-lhe o brilho.

            Ele foi o apóstolo da santa causa da caridade. Humilde, daquele humilde pregado pelo Cristo homem, esforçado, infatigável, lógico e convincente evangelizador dos princípios da moralidade. Ergueu um edifício que perpetuará sua memória, sem que nunca de seus lábios tombasse uma palavra que traduzisse o orgulho, nem um de suas ações desmentisse a pureza de sua alma e a grandeza de suas intenções.

            Em sua curta travessia neste oceano sempre mais ou menos encapelado pelas tormentas da calúnia e da inveja, ele, hábil timoneiro, soube guiar-se com tanta atilação e tanto zelo que, como debelando os elementos, conseguia serenar as tempestades.

            Guiava-o uma ideia sublime, via, não longe dos seus olhos, estender-se um painel esplendoroso: - tiradas das trevas da ignorância, arrancadas das furnas da miséria, voltadas ao trabalho honesto e à fadiga que enobrece, um cem número de mulheres com a palavra unida ao exemplo entoavam hosanas ao Deu que as criara a ao homem que as educara.

            Esse quadro provocava-lhe o júbilo, essa mulheres douravam-lhe os sonhos de suas vigílias, o despontar desse dia parecia sorri-lhe e o homem adoentado, sentindo em si os sintomas do aniquilamento, conhecendo a cada passo, que tropeçava à borda de seu túmulo, queria viver, ambicionava as horas, os minutos, os segundos para todos aproveitá-los na sustentação dessa cruzada.

            Desde os seus princípios, o Padre Siqueira foi sempre o homem sisudo, sacerdote modelo: vigário desse lugar em que foi exalar o derradeiro suspiro, soube ali merecer as simpatias que ao sepulcro o acompanharão. Rebentando a guerra por nós sustentada no período de 1864 a 1870, marchou para os campos da luta a levar os consolos da religião aos mártires do dever. Voltando daí, já presa do mal que o exterminou, aqui veio residir, ou – por outra – aqui veio dar o derradeiro testemunho do quanto pode a tenacidade do homem forte em favor das causas nobres.

            Compreendia o homem os deveres da sua missão, sabia que a verdadeira utilidade da vida consiste na aplicação que dela se faz ao bem estar geral e que, mal aventurado é aquele que, simplesmente a si é útil.

            Uma vez entre nós, deu-se pressa em executar o plano que concebera em terra estranha e assistindo a lutas fratricidas, pois se tratava de manterem-se irmãos por questões que, com palavras podendo ser resolvidas, pelo orgulho de uns e precipitação de outros, estavam sendo debatidas pelas armas e decididas pela morte.

            O plano consistia na criação desse estabelecimento que vemos – incompleto na sua construção, mas de há muito, profícuo em seus resultados – ostentar-se à Rua de Bragança, esse templo de que tantas vezes nos tempos ocupado e que, de envolta com o respeito que merecem as instituições úteis, reclama os mais sinceros louvores para o seu pio fundador.

            Empreendeu o Padre Siqueira uma tarefa além das forças de um homem, desde que o não fortalecesse a mais viva crença nos sentimentos humanitários de seus semelhantes e um segundo de repouso jamais teve, porque no tempo decorrido de 1869, época em que lançou as bases para o edifício, até ao dia em que se efetuou a transformação de seu ser, as dificuldades vencidas eram núncias dos obstáculos a vencer.

Mas sempre forte, mas sempre esperançoso, não abandonava o bordão do peregrino e a coragem encurtando as distancias e esperança revigorando-lhe as forças, ele, na romagem interminável, falava aos corações benfazejos e, talvez não poucas vezes, se sentisse com o poder de Moisés conhecendo-se capaz de fazer rebentarem de corações empedernidos correntes de benefícios.

            Foi assim que ele conseguiu elevar à altura e que se acha a Escola doméstica de Nossa Senhora do Amparo, hoje, o monumento que atestará o quanto fez em benefício da humanidade, durante a sua passagem pela terra, esse que pranteamos com o mais profundo e respeitoso sentimento.

            Tal foi os eu cuidado em bem desempenhar o encargo que se tomara, que ao conhecer a aproximação de um fim – que tão breve não devera vir – tratou de delegar o prosseguimento da piedosa comissão a outro homem de tantos préstimos e valia qual ele o fora, e que, de certo, levará ao termo a santa obra.

            Mesmo ao partir do seio de suas bem amadas filhas, Padre Siqueira dava-lhes a prova de que não quisera que elas sem um pai ficassem.

            Alma generosa, fundida nos moldes da mais viva caridade e, inteira, devotada à abnegação a ao desapego, não pudera, ao separa-se de entre nós, deixar em meio, aquilo que tão bem começara, o seu sucessor, segundo nos consta, levará avante a empresa e o edifício será concluído para eterna ser a recordação viva do finado fundador.

            A Igreja sufragou a alma do Padre Siqueira Andrade na manhã de ante ontem, hoje, rendemos-lhe preitos de acordo com as nossas forças e a sociedade não cessará nunca de bendizer o seu nome enquanto houver olhos que possam ver a Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo e ouvidos houver que possam o seu nome ouvir.

            Vimos àquelas afortunadas criaturas, felicitadas pelo morto que pranteiam, deixar que em suas faces rolasse as lágrimas do reconhecimento, quais imagens de amargura abraçadas a uma memória imorredoura e um pesar estranho, uma mágoa intraduzível nos confrangeu o coração.

            Lembrávamos de que, se o Padre Siqueira ali estivesse as abraçaria murmurando:

– “Benditos aqueles que praticam o bem, porque a gratidão é um presente do céu!”

Fonte:

BN, Mercantil,1881, Ed.29, Ano XXV, p.1.

Livro: Padre Siqueira - Escritos, crônicas e outros testemunhos (pág. 364-368)


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